408 anos de Belém: Precisamos de uma nova cabanagem, radical e socialista!

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Por Direção Estadual do PSTU Pará — 12/01/2024
 
Neste 12 de janeiro Belém completa 408 anos e sua população pobre, a esmagadora maioria, não tem nada a comemorar. A conhecida “metrópole da Amazônia” é a segunda maior cidade da região norte (1 303 403 habitantes) e quatro século depois de sua fundação padece da maior parte dos problemas que possuía em seu nascedouro, amargando os piores índices nacionais em tudo que caracteriza qualidade de vida, como saneamento básico, educação, moradia, transporte, meio ambiente e segurança.

Em 2018 era avaliada como a segunda cidade mais violenta do país e uma das dez mais violentas do planeta, convivia diariamente com assassinatos e chacinas brutais, registrando 677 mortes violentas entre junho de 2018 e maio de 2019 e sendo avaliada como a cidade de pior qualidade de vida no país. Hoje não figura entre as mais violentas, mas ainda apresenta índices significativos de homicídios, sendo quase duzentos em 2023. E em tudo mais continua na mesma.

Belém e a administração do PSOL

Hoje Belém é administrada pelo prefeito mais rejeitado do país, Edmilson Rodrigues, conhecido nas redes sociais como Ed Potoca, e continua mantendo os mesmos péssimos índices em praticamente todos os quesitos de IDH (índice de desenvolvimento humano) e qualidade de vida.

Saneamento: Belém é a capital do lixo e esgoto a céu aberto. Produz mil e trezentas toneladas de lixo todos os dias. Pelo menos um quarto é descartado em espaços públicos, ficando acumulado em ruas e canais por todas as partes da cidade, da periferia ao centro, em pelo menos cem pontos irregulares de descarte. A coleta seletiva é de apenas 3% ou 36 toneladas. De acordo com dados do Sistema Nacional sobre Saneamento (SNIS), Belém tem menos de 3% de seu esgoto tratado e somente 15% da população da capital paraense possui coleta de esgoto. Esses números colocam Belém como a 4ª pior cidade brasileira em tratamento de esgoto. Cerca de 30% dos moradores da capital não são atendidas com abastecimento de água, e da água oferecida apenas 3,6% recebe tratamento adequado. Apesar de Edmilson ter apresentado um Plano Municipal de Saneamento no início de seu governo, este nunca saiu do papel. Uma prova disso é a crise histórica do lixo, o qual nem lugar para ser depositado tem.

Infraestrutura urbana: dados do IBGE colocam Belém como a quarta pior cidade no Brasil em iluminação pública, pavimentação, calçada, meio-fio, bueiro ou boca de lobo, rampa para cadeirantes. Apenas 36% das famílias da Grande Belém (incluindo região metropolitana) têm ruas com urbanização completa.

Habitação: Belém entre as capitais possui o 8º pior déficit habitacional do país, mais de 70 mil moradias no início da administração de Edmilson, que até ano passado entregou apenas mil casas populares. O povo pobre vive em péssimas condições de moradia, sendo comum habitarem cômodo único, barraco, cortiço, palafita e coabitação.

Educação:  são cerca de 70 mil alunos sob a responsabilidade da SEMEC e apenas 200 escolas para toda a Belém, sendo que metade funcionam em prédios alugados, com espaços improvisados tanto para a educação infantil quanto o ensino fundamental. Os funcionários da rede municipal recebem salários abaixo do mínimo nacional (merendeiras, serviços gerais, vigilantes, porteiros, trabalhadores da secretaria da escola, secretários). Em 2023 foi previsto o aumento de mil vagas novas, através de convênios com Instituições como IFPA e UFPA, mas sem uma política de ampliação dos espaços, concurso para professores e valorização do salário. E, segundo diretores do SINTEP, a merenda é insuficiente. São dezenas de milhares de crianças fora de creches.

Transporte: qualquer habitante de Belém que usa o transporte público para se locomover sabe que a vida é um inferno diário. É um dos piores sistema de transporte urbano do Brasil, com uma frota totalmente insuficiente, nas piores condições de uso, o que traz, além do grande desconforto, verdadeiro perigo para os passageiros uma vez que é comum os ônibus pegarem fogo pelo meio da cidade. Diariamente viralizam nas redes sociais cenas que mostram o verdadeiro caos que é pegar um ônibus: paradas lotadas com longos período de espera devido o encolhimento cada vez maior da frota, paradas a céu aberto, ônibus com pessoas penduradas nas portas, bancos soltos, tetos com goteira, motoristas que queimam paradas e um grande etc. O empresariado do transporte na capital sempre viveu na mamata, não importa o prefeito, oferecendo um péssimo serviço e recebendo a fortuna diária de uma passagem caríssima para o nível econômico da nossa população.

Saúde: Eis mais um motivo para a população pobre de Belém viver em desespero. Depender da saúde pública municipal é viver à beira de um ataque de nervos. Entregue a administração das OSs a saúde está privatizada, com essas empresas ganhando rios de dinheiro e deixando a população sem itens como soro fisiológico, glicose e materiais para curativos nos prontos-socorros. Médicos têm cruzado os braços por falta de pagamento, pacientes são vistos jogados pelos corredores dos hospitais e a saúde está sendo judicializada. No final de 2022 os prontos-socorros se viram em meio ao caos pela “crise do antibiótico”, que desapareceu das prateleiras levando à mortes de pacientes. Enquanto isso, o prefeito viajava pelo exterior, em busca de tornar Belém uma “cidade inteligente”, e o chefe de Gabinete, Aldenor Júnior, se exibindo nas redes sociais tomando banho de lama vulcânica nas cordilheiras do Chile.  Segundo o Ministério da Saúde pelo tamanho e população a cidade deveria ter ao menos 125 unidades municipais de saúde, mas só existem 32; pelo menos 8 PSMs, mas só existem dois.

A Belém de hoje e a Belém da Cabanagem: o que as duas têm em comum?
 
Cinco dias separam a data de fundação de Belém da data de tomada do poder pelos cabanos, acontecimento que desencadeou o que conhecemos como Cabanagem, a mais violenta revolução popular em plena Amazônia. São 219 anos que nos separam daquele feito, mas se formos analisar, os motivos que levaram nosso povo pobre a pegar em armas contra o Império continuam presentes no dia a dia de seus herdeiros. Considerando o cenário da vida do povo pobre de Belém descrito acima podemos dizer que pra ele praticamente nada mudou.
Belém foi fundada em 1816 como expansão do Império Português no Brasil e proteção da Foz do Amazonas contra a possível invasão de estrangeiros franceses, holandeses e ingleses. Para povoar a cidade, Portugal incentivou a imigração de vários países, como o Líbano, cujos imigrantes tiveram o incentivo para “fazer a vida”, principalmente no comércio. Os indígenas e negros viraram escravos de senhores de muitos continentes. Além dos portugueses e libaneses, Belém teve forte presença de povos europeus, como franceses, irlandeses, ingleses, holandeses que enriqueceram da noite pro dia.

A massa do proletariado foi composta de negros (livres e escravos), indígenas, tapuios (indígenas destribalizados), vaqueiros, seringueiros, e uma parcela de brancos pobres. Essa população foi usada como mão de obra em regime de semiescravidão pela economia da Província, baseada na exploração das drogas do sertão (cravo, pimenta, plantas medicinais), na extração de madeira, pesca e pecuária e o povo ficou conhecido como cabano, em alusão às moradias paupérrimas assentadas nas beiras de rio, as cabanas.

Vivia na mais extrema pobreza, não tendo garantida nem água potável, tendo que buscá-la em igarapés, imprópria para o consumo. Havia apenas 10 poços públicos e a maioria tinha que comercializar com os “agueiros”. Vivia permanentemente assolada por surtos, endemias e epidemias, como febre amarela, varíola, coqueluche, malária, cólera, tifo, disenteria e sarampo; todas ocasionadas por condições insalubres de vida. E o tratamento médico era apenas através da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia. O transporte sofrível, feito através de animais (pra quem pudesse ter um) e em canoas, na maioria das vezes se dava a pés. Quanto a educação a população era cem por cento analfabeta, uma vez que o conhecimento era permitido apenas à igreja e aos filhos das classes abastadas, que os mandava para a Corte no Rio de Janeiro ou pra a Europa a fim de receberem educação esmerada.

Foram essas condições terríveis de existência que levaram à onda de revoltas e motins que permearam Belém e se estenderam por várias cidades do entorno durante todo o período pós independência do Brasil, culminando no movimento conhecido como Cabanagem por ter como protagonista a massa cabana. No dia 7 de janeiro de 1835 ocorreu a tomada do Palácio do Governo e teve início o primeiro governo cabano encabeçado por Félix Clemente Malcher, que por ser fazendeiro e dono de escravos traiu a luta cabana, sendo deposto e morto pelo povo insurreto. Dois outros governos foram formados, o de Francisco Vinagre, um agricultor de posses e o de Eduardo Angelim, um jovem jornalista. Ambos traíram os ideais do povo cabano, de liberdade e melhores condições de vida.

A derrota da cabanagem teve profundas consequências para esse povo. Além da destruição de trinta mil vidas negras e indígenas, e o quase desaparecimento de uma nação inteira, como a dos Mura, custou a manutenção das condições desumanas de existência e o subjugo ao Império, que continuava dominado por Portugal.

Hoje vemos essa mesma população, negros, indígenas e brancos pobres, herdeiros legítimos do povo cabano, vivendo em condições muito semelhantes às de seus irmãos no Brasil imperial. Quando vemos os trabalhadores de Belém morando em casebres, cortiços e palafitas; tendo suas casas alagadas e suas ruas inundadas; seu entorno cercado de lixo, ratos e urubus; seus entes queridos jogados nos corredores de hospitais, sem direito ao esparadrapo para um  curativo; dormindo ao relento para conseguir uma vaga em escola para os filhos;  morrendo de doenças ligadas à pobreza, como tuberculose e leshimaniose; vivendo do subemprego sem nenhum direito; sendo alvo da mira da polícia, é ao povo cabano que nos remetemos.

É a mesma vida sofrida, é a mesma luta cotidiana. Os facões e mosquetões não estão presentes nessa luta, como na época da cabanagem, quando o lema dessa gente era “morte aos portugueses”. Mas é um povo que tem lutado bravamente, de diversas formas: organizado em sindicatos, partidos políticos, movimento estudantil, movimento contra a opressão, em defesa das cotas nas universidades públicas, em defesa de uma política de reparação histórica. Nunca deixa de lutar por seus direitos, por melhores condições de vida. E sem perder a simpatia, o sorriso e a alegria de viver, que contagiam aqueles que aqui vêm lhes ver.

Por que o povo cabano ainda não fez uma revolução vitoriosa?

A história do nosso povo é de luta e resistência. Tem a marca de ter protagonizado uma revolução contra um império todo poderoso, que precisou de três investidas e uma esquadra digna de uma guerra entre potências imperialistas para liquidar fisicamente a ousadia de quem lutou com mosquetes, espingardas, facões e arco e flecha. Porquê continua vivendo sob a exploração e a opressão desses mesmos senhores?

Infelizmente, apesar de lutar como um cabano, nossa população até hoje não conhece a verdade e a grandeza dessa verdadeira façanha que foi a cabanagem. Só sabem, malmente, sobre os três líderes que subiram ao poder para trair a luta, que não eram cabanos e sim fazendeiros e profissionais liberais. Não conhecem os verdadeiros heróis dessa guerra, os mura, os mawé, Maparajuba Firmeza, Jacó Patacho, Maria Mulata, Margarida de Jesus, Maria Roza, protagonistas da quarta fase da cabanagem, a cabanagem dos cabanos.

Conhecer essa história não é garantia que nosso povo faça a revolução que precisa, porém, diz o ditado que quem não conhece o passado vive no escuro, e, portanto, fica mais difícil compreender as tarefas de seu tempo. Trocaram o império pela república, ambos burgueses, ambos inimigos dos trabalhadores. Trocaram o poder vitalício, pelo poder do voto, ambos jogo de cartas marcadas.

Edmilson Rodrigues em seu primeiro mandato, enquanto petista, se autodenominou governo cabano, apesar de nunca ter sido. Contentou-se em denominar praças e residenciais com os nomes dos governos que não representaram as necessidades e os anseios cabanos. Hoje, em seu terceiro mandato, no PSOL, nem faz menção ao termo cabano e governa com aqueles que representam a herança dos algozes do nosso povo, a direita paraense. Juntamente com Lula e Helder, governa com um leque amplíssimo de alianças, incluindo o que tem de mais reacionário da burguesia, afora a ultradireita. Transformou Belém numa caricatura do que ela pode ser, caso a riqueza do trabalho de nossa classe seja usada em seu interesse: um lixão a céu aberto, transporte desumano, salários de fome, casebres como moradia, saúde na UTI. Contudo, lança cinicamente a campanha de fortalecimento da sua reeleição. Espera em 2025, ao lado de Lula e Helder, governos inimigos da nossa classe, protagonizar a farsa da COP 30.

Nas veias do nosso povo corre o sangue cabano, inclusive como herança genética. Ele precisa conhecer sua história e entender as tarefas que moveram seus antepassados. Confiar em sua própria força, como fez Maparajuba Firmeza ao resistir na foz do Rio Tapajós construindo com seu exército mais que uma fortaleza, uma verdadeira cidade socialista às margens do grande rio. Essa resistência tem que ser organizada pela base e com democracia operária, dirigida pelo partido revolucionário até a vitória final.

O PSTU se propõe a ser essa organização e convida o povo cabano a se juntar nessa construção. Nas eleições devemos apresentar uma alternativa da nossa classe, que represente essa população pobre que luta todos os dias para sobreviver; que denuncie a farsa da democracia dos ricos que vivem como nababos com o produto do nosso suor e força de trabalho. Apresentar um programa em defesa da tarifa zero para estudantes e trabalhadores, escola e creche para todos os nossos filhos, aumento salarial para médicos e professores, sistema de saneamento básico, com água encanada para toda a população, coleta e processamento do lixo. Na luta por essas questões básicas é que podemos nos organizar para lutar pelo poder.